sábado, 26 de janeiro de 2008

A transição democrática do sistema político português

Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Seminário de Relações Internacionais 1 - Mestrado em História, Defesa e Relações Internacionais - ISCTE/AM - 2008


Introdução


A 25 de Abril de 1974, um movimento revoltoso surgido no seio do Exército depôs o regime autoritário que conduziu a política portuguesa durante 48 anos. A incapacidade do Estado Novo para gerir a sua manutenção no poder atingiu um ponto de não retorno, após décadas de degradação das estruturas internas e perda de popularidade. Uma ineficaz gestão das relações entre os militares e o regime causou um crescente sentimento de descontentamento nas Forças Armadas, que culminaria com a tomada do poder por um grupo de oficiais dos escalões intermédios da hierarquia.

Neste trabalho faremos uma análise às razões que estiveram na queda do regime, observando as particularidades do processo revolucionário, com vista a uma categorização da transição que se viveu em Portugal, nos anos que se seguiram à deposição do regime autoritário. Serão também decompostas algumas particularidades do cenário político nacional durante o período revolucionário, numa análise às suas implicações no modo como se viria a desenvolver a transição e consolidação democrática em Portugal.

2 – O Estado Novo e as transformações socio-económicas

Para analisar as causas do 25 de Abril é determinante avaliar, por um lado, as mudanças que se operaram no interior do regime, ao nível das relações estruturais e por outro, as alterações de relacionamento do regime com a sociedade civil.

Schmitter[1], afirma que um Estado autoritário não tem “harmonia funcional e estabilidade”, permanecendo no poder através de um “congelamento” destas características, num momento mais positivo do regime. Na sua fase de implementação, qualquer regime autoritário atravessa um período de dificuldades, até atingir um modelo institucional que garanta aos promotores do regime ter mecanismos de poder interdependentes e coerentes com a organização social. Só com este modelo em funcionamento, os detentores do poder podem levar a cabo as reformas socio-económicas indispensáveis à manutenção do novo regime político.

No caso português, verificamos que, entre as décadas de 1930 e 1960, Portugal era um país muito pobre, se comparado com os seus vizinhos, em termos de transformações sociais e económicas. Ao longo destes anos, Portugal tinha das mais baixas taxas de urbanização, industrialização e modernização económica. Grassava também um analfabetismo generalizado entre a população rural. Apenas a partir de meados dos anos 60 se registaria alguma evolução positiva destas variáveis. De acordo com a perspectiva de Schmitter, o sucesso das instituições do regime no seu período inicial conduziu a uma “fossilização”, que se repercutiu numa incapacidade destas se adaptarem a novas circunstâncias.

Apenas no final da década de 60, já com Salazar incapacitado, a economia portuguesa deu sinais de crescimento. Este crescimento económico evidenciou-se entre 1972 e 1973, mesmo perante o incessante aumento das despesas militares. No entanto, se compararmos a situação portuguesa, no mesmo período, com os restantes países europeus, verificamos que persistia uma grande desigualdade.

A recusa da Comunidade Europeia em permitir que Estados não-democráticos a integrassem, manteve o Estado Português fora da zona de integração económica. Internacionalmente, esta era, além da questão colonial, a grande crítica apontada ao regime, visto que este afastamento representava um entrave ao desenvolvimento nacional. Contudo, a situação económica portuguesa, no início de 1974, era relativamente estável. Os autores analisados são unânimes na ideia de que a queda do regime não foi provocada por uma deterioração da economia.

A opinião de Schmitter vai no sentido de que as fontes de contradição, que surgem nos governos autoritários com vista à sua deposição, têm sempre origem no interior do mesmo e não nas relações do regime com a sociedade. No caso português, é sustentada a ideia de que as clivagens entre as “ordens institucionalizadas de privilégios e estatutos especiais” e os governantes, conduziram a uma situação incontornável de ruptura. Marcelo Caetano havia herdado, de Salazar, uma estrutura decisória frágil, que assentava unicamente na pessoa do líder. Caetano nunca terá conseguido lidar convenientemente com essa personalização do cargo, o que explica, em parte, as tentativas de reformas que levaria a cabo.

Sendo Portugal um país com uma tradição católica bastante enraizada, a proximidade das relações entre a Igreja e o Estado reveste-se de singular importância para avaliar os factores que levaram à queda do regime. Em relação à Igreja Católica, Schmitter afirma que as “ligações externas especiais da autoridade eclesiástica” e a “difusão ideológica”, por parte desta, representou um grande problema estrutural. Tendo em conta que o apoio da Igreja tinha sido a mais importante das fontes de legitimação do regime, quando se verificaram as primeiras fragmentações internas, estas resultaram na perseguição de alguns dos membros da hierarquia eclesiástica, sob o pretexto de que estes estavam a “fazer campanha contra o regime”.

Também as relações entre a Instituição militar e o poder político assumem especial relevância para o estudo que aqui apresentamos. No caso português, no entanto, verificamos que a ruptura que se deu entre as autoridades civis e militares terá sido bem mais significativa do que a anteriormente referida. Segundo Schmitter, a relação entre ambas as estruturas, civil e militar, nunca foram, ao longo das décadas de regime, pacificas. Um exemplo de força apresentado é a forma como o regime salazarista lidou com o destacamento derrotado em Goa, ao qual tinha dado ordens para resistir até ao último homem. O facto destes homens terem sido feitos prisioneiros pela União Indiana foi encarado pelo regime como um sinal de falta de coragem. Isto mostrou aos militares que novas derrotas militares seriam mal toleradas pelo poder.

Em 1958, a decisão de Salazar de suspender todos os encargos de formação na Academia Militar, alterou drasticamente os moldes de recrutamento que o Exército tinha até então. Isto fez com que começassem a afluir ao Exército cadetes de classes sociais superiores, sem qualquer tipo de tradição militar. O facto de, em 1973, um decreto do Ministério da Defesa dar aos oficiais milicianos a possibilidade de subir na hierarquia mais rapidamente que os oficiais de carreira, formados na Academia Militar, provocou um grande sentimento de descontentamento nos oficiais dos escalões intermédios. Neste sentido, verificamos que, na origem do movimento revoltoso estiveram razões de ordem profissional e de estatuto.

Schmitter aponta ainda para o facto dos conflitos entre as várias facções do topo da hierarquia militar terem estado na origem da ruptura entre as autoridades civis e militares. Segundo Telo[2], a publicação, pelo General Spínola, do livro Portugal e o Futuro, foi “um convite pouco disfarçado às Forças Armadas para actuarem” na deposição do regime. Schmitter afirma que esta publicação provocou a desintegração do topo da pirâmide militar e uma aliança entre facções militares insurrectas que viam em Spínola um “chefe simbólico temporário”.

Além disso, em 1972, verificava-se outro problema, o da sucessão na Presidência da República. A “tradição ou prudência” determinavam que o cargo fosse atribuído rotativamente por oficiais generais da Força Aérea, da Marinha e do Exército. Contudo, o Exército verificou que a sua “vez” não seria respeitada. Na ausência de um “partido viável”, no qual se agregassem as diversas tendências no interior do regime, os líderes viram o seu problema político amplificar-se.

Além das razões apontadas como estando na origem da queda do governo, Schmitter aponta uma série de contradições genéricas que poderão ajudar a entender a incapacidade do regime se defender. A forma como os regimes autoritários eram aceites, ao longo dos anos 20 e 30, tinha mudado substancialmente. A popularidade do regime, quando Marcelo Caetano ascendeu ao poder, também era muito diferente da que Salazar tinha, quando era visto como “salvador da Pátria”. Assim, o novo Primeiro-ministro empreendeu esforços no sentido de renovar e reforçar as estruturas do regime, através de novos conceitos de ordem económica e social.

Esta mudança de rumo político exigiu ao Estado que procedesse a uma reformulação do seu sistema burocrático. Caetano fomentou a entrada de “sangue novo” nas instituições do regime, com o intuito de reformar alguns sectores, como a indústria, o comércio ou a agricultura. Estes jovens quadros viriam, no entanto, a verificar que os seus esforços eram frustrados pela extrema escassez de recursos.

Os recursos financeiros eram amplamente absorvidos pela máquina de guerra e por uma resistência dos “elementos burocráticos tradicionais” e das “clientelas económicas e sociais”, que prevaleciam nas estruturas do poder. Schmitter afirma que estes jovens, cépticos em relação ao sucesso das reformas, terão feito “propaganda negativa relativamente ao Estado português”, ao pôr em causa a capacidade do Governo para “assegurar as necessidades de reprodução do capitalismo português”.

3- Uma transição por ruptura

Com o fim da segunda Guerra Mundial, verificou-se uma imposição de regimes políticos aos países que se tinham envolvido activamente na guerra. Por um lado, os países da Europa ocidental adoptaram a democracia “de tipo ocidental”, pluralista e com economias de mercado. Os países que ficaram sob influência da União Soviética adoptariam a democracia popular, de tipo socialista/comunista. Portugal e Espanha, como não tiveram que se sujeitar às imposições dos vencedores da guerra, puderam manter os respectivos regimes.

Telo salienta que, apesar de enquadrado na terceira vaga de democratizações, o regime português seria derrubado nos moldes característicos da segunda vaga, ou seja, através de um golpe militar. Para este facto é apontada a causa de Portugal ser o único país que, à data da transição, ainda mantinha um império colonial, mantendo umauma guerra desesperada na tentativa da sua manutenção. No caso espanhol, a transição viria a acontecer de uma forma pactuada, sem uma ruptura total com as instituições depostas.

O facto de a transição portuguesa se ter dado através de uma ruptura revolucionária e não através de uma transição pactuada, como aconteceu em Espanha ou no Brasil, reveste-se de diversos significados. Para examinar estas causas, vamos analisar as condições necessárias para que se possa pactuar uma transição entre os elementos do regime e a restante sociedade.

Se, por um lado, é indispensável que o regime esteja confortavelmente estabelecido, é necessário que haja uma estruturação da oposição e que esta esteja disposta a cooperar. Mas o elemento determinante é a existência de uma liderança inovadora. Telo cita, a este respeito, António de Almeida Santos, que sustenta a ideia de que Marcelo Caetano foi “um homem a quem a História ofereceu a Glória” e “por insensatez”, a recusou. Entendemos por aqui que, se Caetano tivesse promovido uma solução de transição negociada, teria ficado na História como o homem que tinha promovido a Democracia em Portugal e não como um ditador deposto.

Numa comparação entre as transições portuguesa e espanhola, Linz e Stepan[3] referem o facto da Espanha ter, no caso português, um bom exemplo de como não operar uma transição de regime. Se, em Espanha, os militares eram “mais disciplinados e menos politizados”, acresce o facto de não se verificar, como em Portugal, a existência inata de uma verdadeira identidade nacional, que corresponda ao ideal de Estado-nação, dada a complexidade da União política espanhola. Uma transição por ruptura, em Espanha, poderia significar o fim da unidade territorial. Isto não se passa em Portugal, que é o único estado da Europa ocidental ao qual corresponde, verdadeiramente, um território, um povo, uma língua e uma cultura, ou seja, uma identidade nacional e um Estado-nação.

4 – Os militares e a democracia

O aspecto mais importante a ter em conta, na análise do processo revolucionário português, é a variável “quem inicia e controla a transição”, uma vez que esta condiciona todo o processo. A grande maioria dos oficiais envolvidos directamente na preparação do golpe eram capitães e majores de carreira, formados na Academia Militar. O facto de terem uma ampla experiência operacional, ganha nas campanhas no Ultramar, permitiu o sucesso do plano de operações, além de lhes garantir um controlo efectivo sobre as Unidades que estavam na rua. Por essa razão, o poder político ficaria sujeito à observação e tutela destes.

Esta particularidade mostrar-se-ia decisiva para o prolongamento que se verificou no processo transitório português. Telo sintetiza da seguinte forma as quatro circunstâncias principais que determinaram “a duração da transição, o seu sucesso e a sua forma”:

1) A facilidade com que a instituição militar se recompõe da quebra da “cadeia hierárquica”.

2) A relação de forças entre o “núcleo central que organiza o movimento” e o “programa que pretende levar a cabo”.

3) A forma como o novo poder consolida a “evolução económica e financeira”.

4) As intervenções e interferências externas.

Verificamos que estas variáveis, aplicadas ao caso português, explicam, de certa forma, a conturbação que se viveu entre 1974 e 1976, numa sucessão de Governos Provisórios que não tinham poder efectivo, pois os militares que estavam nas ruas estavam às ordens do MFA, que se transformou no centro oficioso de decisão política. A multidão que apoiou o golpe de Estado contribuiu para legitimá-lo e torná-lo irreversível, atribuindo-lhe as características de uma verdadeira Revolução.

Neste período, que ficaria conhecido como PREC (Processo Revolucionário em Curso) viveu-se uma grande agitação social, provocada, sobretudo, pelas políticas dos Governos Provisórios liderados por Vasco Gonçalves. Este Governo levou a cabo uma política de ataques sistemáticos ao sistema capitalista e à propriedade privada, através da nacionalização de grandes grupos económicos privados (bancos, seguros, transportes públicos e outros) e uma extensa reforma agrária, baseada na expropriação de grandes latifúndios.

Durante os Governos de Vasco Gonçalves, o MFA seria amplamente conotado com o PCP. Este facto, resultante das políticas de índole socialista, provocaria um progressivo desvanecimento da solidariedade e cumplicidade que tinha permitido aos militares fazer o 25 de Abril. Este momento tem a particularidade da política constituir uma ameaça à cadeia de comando militar. A solidariedade, que tinha unido os militares como “motor da revolução”, deu origem a uma sequência de conflitos internos resultantes das diferentes perspectivas em relação ás políticas a adoptar.

O afastamento de Gonçalves e a sua substituição por Pinheiro de Azevedo levaria a uma nova acção militar, mas desta vez, com o MFA fragilizado pelas suas divisões internas, a acção de 25 de Novembro fracassou e as políticas comunistas seriam travadas pelo novo poder. A estabilidade começou a vislumbrar-se quando, liderada pelo então Coronel Ramalho Eanes, se afirmou uma tendência cujo objectivo declarado era operar uma “reafirmação do controlo hierárquico” na organização militar.



5-Transição e consolidação democrática

A situação política portuguesa, cuja influência militar é caracterizada por Linz e Stepan como “comunista de linha soviética”, mostrava-se desfavorável a uma transição rápida rumo à consolidação democrática, dentro dos padrões ocidentais. O programa inicial do MFA preconizava a realização de eleições para a Assembleia Constituinte no prazo de um ano e para a Assembleia e Presidência da República no prazo de dois.

A realização de eleições livres é, na interpretação de Linz e Stepan, a “força democrática com maior poder para compensar a dinâmica não democrática de um governo”. São estas que proporcionam o aparecimento de uma verdadeira “sociedade política”. A criação de actores políticos democráticos preenche espaços deixados em aberto pelo regime deposto. Por outro lado, há ainda a questão de as eleições conferirem legitimidade democrática a forças que não participaram, ou até se opuseram, ao derrube do anterior sistema.

No caso português, estes autores equacionam duas alternativas possíveis para a redacção da nova Constituição. A primeira seria a eleição de uma Assembleia Constituinte, cuja função seria unicamente a elaboração do texto constitucional e perante a qual o governo não tenha de responder. Em Portugal, este modelo viria a adiar a formação de um governo de base parlamentar. Apenas depois de redigida e aprovada a Constituição estariam reunidas as condições para a realização de eleições. As consequências deste modelo, tal como se verificou em Portugal, foram o prolongamento de governos provisórios com características autoritárias. A segunda alternativa apontada pelos autores seria a eleição de um parlamento regular com funções legislativas, ou seja, com poder para redigir e fazer aprovar a Constituição.

O escrutínio para a Assembleia Constituinte realizou-se a 25 de Abril de 1975. No ano seguinte realizar-se-iam as eleições parlamentares. Os resultados dos dois actos eleitorais mostraram, inequivocamente, que os partidos que defendiam o modelo democrático “de tipo ocidental” captariam cerca de três quartos dos votos expressos, o que indicava claramente o tipo de regime político a adoptar.

O período dos Governos Provisórios foi caracterizado por uma forte influência militar nas questões políticas Esta Instituição funcionaria como uma tutela sobre os representantes eleitos para a Assembleia Constituinte. A aceitação desta tutela foi, saliente-se, uma condição que os partidos tiveram que aceitar para concorrer às eleições. Este poder dos militares foi-lhes conferido através da assinatura de dois pactos entre o MFA e os partidos políticos.

O forte controlo exercido pelos militares impediu que a Assembleia Constituinte pudesse redigir uma Constituição plenamente democrática. Linz e Stepan salientam uma característica que sustenta a tese de uma constituição não-democrática. O Conselho da Revolução tinha poder para aprovar as suas próprias leis, cuja validade era equivalente às da Assembleia da República, podia julgar a constitucionalidade das leis aprovadas pela assembleia, além de legislar sobre a organização das Forças Armadas. Este Órgão, conforme estava expresso na Constituição, era o único que detinha estes poderes. O facto de ter declinado trinta e cinco, dos setenta e quatro projectos-lei que foram submetidos á sua avaliação, demonstra o poder que os militares detinham sobre o poder político.

De acordo com as teorias de Linz e Stepan, foi a existência deste órgão, com tais poderes, que impediu Portugal de ter completado mais cedo a sua transição democrática. Somente em 1982, quando uma revisão constitucional extinguiu o Conselho da Revolução e estabeleceu uma estrutura legal para as questões organizacionais militares, Portugal terminaria, de facto, o seu processo de transição.

Linz e Stepan apontam as variáveis que consideram determinantes para avaliar a consolidação do regime democrático: a primeira consiste na atitude do povo português face à democracia. Verifica-se que a preferência eleitoral dada a partidos pró-democráticos e pró-regime seria a grande fonte de estabilidade. Por isso, Portugal, em 1982, já tinha alcançado uma verdadeira consolidação democrática, pelo menos ao nível da mentalidade dos cidadãos. A segunda variável analisada respeita ao comportamento dos cidadãos, isto é, do seu apoio ao regime.

Estes autores referem ainda que nenhuma organização ou partido tentou alcançar os seus objectivos de forma não-democrática, nem antes nem depois de 1982. Desta análise podemos concluir que Portugal, à data da referida revisão constitucional, era já uma democracia estável e consolidada. Nesta ordem de ideias, é ainda analisada uma terceira variável, a da “dimensão constitucional”. Relativamente a esta, verificamos que uma extinção pactuada do Conselho da Revolução, fruto da Reforma Constitucional de 1982, fez desaparecer essa “reserva de domínios”, entrave remanescente a uma efectiva e irreversível transição democrática.

A somar às variáveis relativas à conjuntura militar e constituinte, Linz e Stepan referem algumas outras questões conjunturais que influenciaram, ou poderiam ter influenciado, a transição portuguesa: por um lado, o facto já referido da condição única, entre os seus vizinhos, de Estado-nação. Durante o período de incertezas, algumas correntes norte-americanas chegaram a defender um apoio ao separatismo dos Açores, caso a política portuguesa tivesse de facto enveredado pela via comunista.

Os autores chamam, no entanto, a atenção para o facto de, caso as forças revolucionárias tivessem sido afastadas do poder através de operações secretas americanas e não pela via eleitoral, o ambiente dificilmente teria sido propício à transição a curto prazo. Porém, em parte pela intervenção dos Partidos Socialistas europeus, a Comunidade Económica Europeia intercedeu junto do poder norte-americano, apelando a que este país adoptasse uma “estratégia política e não militar”.

A terminar o capítulo dedicado à transição democrática portuguesa, Linz e Stepan deixam a ideia de que a consolidação democrática não foi favorecida pela situação económica do país, mas antes que os portugueses atribuíam as dificuldades, da economia, mais à conjuntura internacional do que ao poder político e aos seus detentores.


6 – Conclusões

Os Estados Unidos da América e a União Soviética protagonizavam, longe das suas fronteiras, as disputas de influência que caracterizaram o período da guerra-fria. Nos territórios ultramarinos portugueses, patrocinavam, ideológica e financeiramente, guerrilhas que lutavam pelo controlo dos territórios. Portugal, um pequeno actor político na cena mundial, foi deixando arrastar uma situação colonial inviável e financeiramente incomportável. Os sucessivos apelos vindos das fileiras das Forças Armadas, no sentido da resolução política e não militar da questão colonial não foram suficientemente persuasivas para levar o Governo a mudar o seu rumo.

Também as relações entre o Estado Novo e a Igreja Católica se deterioraram ao longo dos anos. O efeito desta degradação reflectiu-se na sociedade civil. Tendo a Igreja sido, ao longo de quase cinquenta anos, um dos pilares do regime, a deterioração do relacionamento com esta, provocou um sentimento generalizado, na sociedade, contra o poder. Este sentimento seria determinante para o sucesso do 25 de Abril, pois o povo saiu à rua, em enormes manifestações de apoio aos golpistas, o que impediu uma reacção do Governo no sentido de evitar a tomada de poder pelos militares.

O isolamento característico do seu modelo político impediu o regime de evoluir, de modo a acompanhar as transformações socio-económicas que se verificaram a partir da década de 1960. Quando, após a sua chegada ao poder, Marcelo Caetano tentou desesperadamente fazer reformas que permitissem a continuidade do sistema político, mas era tarde demais para qualquer solução política que não passasse pela democratização e descolonização. Verificamos também que as razões que motivaram o golpe militar foram, por um lado, de ordem política e, por outro, de carácter orgânico interno das Forças Armadas.

Quanto ao processo de transição democrática, propriamente dito, salientamos o facto de Portugal ter sido o primeiro país da terceira vaga de democratizações, porém, a tomada do poder através de golpe militar era uma característica da vaga anterior, o que atribui a peculiaridade do caso português. Esta transição processou uma ruptura total com o sistema vigente, contrariamente ao que se verificaria nos países que iniciariam processos de transição nos anos posteriores, como a vizinha Espanha. Neste país, uma transição pactuada, entre o regime e as forças de oposição, permitiu alterações do sistema político sem recurso a um golpe militar.

O caso português põe em evidência a importância de quem são os protagonistas da mudança. O facto dessa transição ter sido liderada por militares dos escalões intermédios da hierarquia, justifica, de certo modo, o clima de instabilidade política que assolou Portugal nos dois anos que se seguiram ao golpe.

A situação internacional, apesar do pouco favorável momento económico, permitiu a Portugal atingir uma plena consolidação democrática em 1982, enveredando pacificamente pela via da economia de mercado e da integração económica (e mais tarde, política) no contexto das Comunidades Europeias.


7 – Bibliografia

António J. Telo, História Contemporânea de Portugal: do 25 de Abril à actualidade, Lisboa, Presença, 2007, (vol. 1)

Juan Linz and Alfred Stepan, Problems of Democratic Transition and Consolidation, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1996.

Philippe C. Schmitter, Portugal: do autoritarismo à democracia, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 1999



[1] Philippe C. Schmitter, Portugal: do autoritarismo à democracia, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 1999.

[2] António J. Telo, História Contemporânea de Portugal: do 25 de Abril à actualidade, Lisboa, Presença, 2007, (vol. 1)

[3] Juan Linz and Alfred Stepan, Problems of Democratic Transition and Consolidation, Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1996.

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